* Carlos Orsi
Nos comentários à primeira parte desta série, surgiram ponderações de que a base lógico-matemática do sistema eleitoral é menos importante para a democracia do que a consciência política dos eleitores, a estrutura do sistema partidário, etc. Esses, no entanto, são assuntos em que estou evitando entrar — basicamente porque, primeiro, fogem à temática do blog; segundo, já são muito bem tratados em outros meios e publicações; e, terceiro, porque a base lógico-matemática é um tema muito pouco discutido na arena pública, e que me parece pelo menos tão importante quanto as outras questões levantadas.
Exemplos, já clássicos, dessa importância: a eleição de Jânio Quadros para prefeito de São Paulo, no século passado; e a de George W. Bush para a Presidência dos EUA, em 2000. Em ambos os casos, o sistema de “um homem, um voto” levou ao poder políticos que eram, em termos de identidade pessoal e postura programática, exatamente o oposto do que o consenso social (ou, ao menos, a maioria dos eleitores) desejava.
Enfim, não adianta ter uma população consciente se o instrumento oferecido para que essa consciência se expresse é defeituoso.
Isso estava bem claro para a primeira geração de matemáticos que criticou o sistema de votação tradicional. Tanto Borda quanto Condorcet (detalhes, mais uma vez, na postagem anterior) escreveram na segunda metade do século XVIII, quando o primeiro grande experimento democrático do mundo moderno, a fundação dos Estados Unidos da América, estava em andamento. A coincidência de datas não é, de modo algum , uma mera coincidência.
Borda ofereceu uma alternativa, a do voto por ranking, onde os candidatos receberiam pontos de acordo com a preferência dos eleitores. Mas Condorcet não ficou satisfeito com a proposta do colega, que lhe pareceu insuficiente. Para ele, o ganhador legítimo de uma eleição deveria ser capaz de derrotar todos os demais concorrentes, em confronto direto.
É como se, em vez de uma eleição entre A, B e C, fossem realizados três “segundos turnos” simultâneos: A x B, B x C, C x A. Daí sairia o “vencedor de Condorcet”. O sistema era muito complexo para o século XVIII mas, hoje em dia, com computadores, não é difícil de implementar, e é realmente usado em muitas situações. Várias comunidades online gostam de decidir as coisas pelo critério de Condorcet.
O sistema, no entanto, tem dois problemas. O primeiro é que ele pode levar a resultados altamente contraintuitivos (se a próxima eleição presidencial brasileira fosse definida no sistema de Condorcet, por exemplo, eu imagino que as chances de Marina Silva ser eleita disparariam — nada contra a candidata, menciono isso apenas porque uma vitória dela é algo tido como improvável no cenário atual).
Mas ser contraintuitivo não é ser, necessariamente, ruim. O segundo problema com o sistema de Condorcet é mais grave: ele é sujeito a ciclos. Suponha que a maioria dos eleitores prefira A a B; que a maioria prefira B a C; e que a maioria prefira C a A. Nessa situação, simplesmente não existe um ganhador de Condorcet!
O paradoxo cíclico não é exclusivo do método de Condorcet. Na verdade, o que o sistema faz é apenas evidenciá-lo. No século XX, a existência de ciclos foi incorporada a uma prova matemática, conhecida como Teorema ou Paradoxo de Arrow, a demonstração cabal de um fato que costuma ser resumido na seguinte frase: “é impossível existir um sistema de votação justo”.
Chegamos, então, ao desespero? Não perca o próximo episódio — com, talvez, uma luz no fim do túnel.
sexta-feira, 9 de abril de 2010
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