segunda-feira, 10 de maio de 2010

Universidade e Política

*Luiz Eduardo

A linguagem expressa relações de poder. Os discursos têm maior ou menor autoridade proporcionalmente ao capital socialacumulado por aqueles que os pronunciam: quanto maior a acumulação, maior o poder. Por sua vez, estes dependem da posição que o indivíduo (ou grupo) ocupa na estrutura.

Como os discursos, a universidade pública não é uma entidade abstrata ou uma representação que adquire objetivação através da linguagem. A universidade se materializa no corpo docente e discente, no quadro técnico-administrativo, em sua estrutura física e em todos os mecanismos que propiciam seu funcionamento. Assim, pensar a universidade é pensar as pessoas concretas, corações e mentes que se harmonizam em determinados aspectos e se antagonizam em outros. A universidade constitui um campo, ou seja, um espaço no qual há diversos interesses em jogo; e os jogadores, a partir de posições já consolidadas, lutam para conservar ou conquistar mais posições.

Na política ocorre o fenômeno da universalização, isto é, os interesses de indivíduos e de grupos se metamorfoseiam em interesses coletivos, no bem comum. Os interesses particularistas são dissolvidos na categoria genérica povo e na defesa dos bens públicos (educação, saúde, segurança, etc.). Da mesma forma, dificilmente você verá alguém que dispute o poder no campo universitário assumir publicamente que almeja interesses pessoais. O egocentrismo tem a máscara do altruísmo.

O que chamamos de interesse tem sempre dupla face: ainda que o indivíduo ou grupo lute por seusinteresses particulares (e isto é legítimo), em geral, ele os apresentará como coletivos. Mesmo o político mais descaradamente favorável aos interesses privados tem a sua máscara pública. Também no campo universitário, os interesses nunca são puramente científicos ou políticos. É melhor pensá-los como uma simbiose. Dificilmente, a ciência pela ciência, a defesa da universidade pública, o amor ao conhecimento, etc., são as únicas motivações que excitam o agente social. Portanto, é preciso exercer o direito da dúvida e não se iludir com os discursos.

A universidade pública não é um campo isolado de outros campos: temos que pensá-la de formarelacional, isto é, considerando a sociedade. Enquanto instituição social e política, sua prática e idéias são determinada pela sociedade; mas, por outro lado, ela também influi sobre as práticas e idéias desta. Portanto, a universidade não é um paraíso onde pululam anjos sem asas e sem pecados.

A universidade reproduz as relações sociais. Seus conflitos internos expressam antagonismos vivenciados pelos agentes sociais externos ao seu campo (indivíduos, grupos e classes sociais). Isto não quer dizer que ela não tenha uma dinâmica própria, mas apenas que não está descolada da realidade social.

É certo que os recursos são públicos e que a gestão não é privada – no sentido da existência de um proprietário que, a seu bel-prazer, contrata, demite, administra. A universidade pública não comporta isto. Mas é preciso não confundir estatal com público: nem tudo que é estatal tem o controle da comunidade – e nem tudo que se considera controle da comunidade realmente o é.

Não obstante, os mesmos mecanismos que atuam para a reprodução do poder na Universidade geram a sua oposição, no sentido disputa e transformação do campo. Não há discurso e prática cuja hegemonia esteja imune à contestação. Como observou Renato Ortiz: “Gramsci nos ensina que toda hegemonia é sempre momento de reprodução e de transformação; de nada nos adiantaria tomar uma posição moral contra o poder quando, na realidade, o problema consiste em saber quem o utiliza, e para que fins.”*


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* Ver BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato. (Org) Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo, Ática, 1983, p.29.

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