quinta-feira, 18 de março de 2010

Quando o mundo está preso em uma armadilha de liquidez?

Paul Krugman

Como já afirmei tantas vezes em diferentes contextos desde o início da crise, quando se está numa armadilha de liquidez, muitas das regras habituais da política econômica funcionam ao contrário. A virtude se transforma em vício: as tentativas de poupar mais só nos tornam mais pobres, tanto no curto quanto no longo prazo. A prudência vira extravagância: uma determinação firme para equilibrar os orçamentos e evitar todo o risco de inflação é o caminho para o desastre. O mercantilismo funciona: países que subsidiam as exportações e restringem as importações realmente lucram às custas de seus parceiros comerciais.

No momento, vivemos num mundo onde nada do que aprendemos nas primeiras aulas de economia é válido – situação que, na verdade, deve durar alguns anos. Mas, afinal, qual é a definição de uma armadilha de liquidez? Quantos são os países do mundo que se encontram nessa situação? Há muita confusão em relação a isso; eis a minha maneira de enxergar a questão.

De acordo com minha análise, estamos numa armadilha de liquidez quando as operações de mercado aberto convencionais – a compra de títulos de curto prazo da dívida do governo por parte do banco central – perdem o impacto, pois os juros de curto prazo estão próximos do zero.

Pode-se argumentar que os bancos centrais podem adotar outras medidas, as quais eles de fato adotam, até certo ponto: podem comprar títulos públicos de prazo mais longo ou outros ativos, e podem tentar elevar suas metas de inflação de uma maneira crível. E eu realmente desejo que o Fed tente fazer isso com mais frequência.

Mas a realidade é que as políticas monetárias não-convencionais são difíceis; são vistas como arriscadas e nunca são implementadas com o mesmo vigor empregado na política monetária convencional.

Pense no Fed que, sob a liderança de Bernanke, se mostra mais aventureiro do que poderia ser sob outro presidente. Ainda assim, o banco central está longe de promover uma suficiente expansão não-convencional para compensar os limites criados pelos juros tão próximos do zero.

Algum tempo atrás o Goldman estimou que, se não fosse pelo limite inferior igual a zero, a taxa básica de juros (Fed Funds) seria de -5% e, para obter o efeito equivalente a um corte adicional de 5% sobre ela, o Fed teria de expandir seu balanço patrimonial para US$ 10 trilhões; eu não apostaria minha vida nessas estimativas, mas elas parecem estar próximas da verdade. Obviamente, o Fed não está fazendo isso.

Para explicar de outra maneira: suponha que as perspectivas econômicas sejam iguais às atuais – tudo indica que o desemprego permanecerá alto por alguns anos -, mas que os juros básicos fossem de, digamos, 4%. Obviamente, o Fed se sentiria na obrigação de promover uma expansão muito maior, implementando rapidamente um corte agudo nos juros. Em vez disso, com os juros de curto prazo tão próximos do zero, o Fed está apenas aguardando – ou seja, não está expandindo sua flexibilização quantitativa e, na verdade, encontra-se no processo de recuar.

A questão é que, embora possamos pensar em medidas que o Fed poderia adotar mesmo tão próximo do limite inferior zero, na prática, esse limite inferior representa um grande entrave para as medidas pretendidas. Não há dúvida de que devemos exigir do Fed que faça mais, mas quando levamos em consideração outras questões – como os efeitos da política fiscal ou os efeitos do yuan subvalorizado – temos de avaliá-las nos termos do banco central que temos, e não nos termos do banco central que gostaríamos de ter.

De acordo com esses critérios, quantos são os países do mundo aprisionados numa armadilha de liquidez? Quase todos os países desenvolvidos. Os EUA, obviamente; o Japão, ainda mais óbvio; os países da zona do euro, porque o BCE provavelmente não poderia adotar uma flexibilização quantitativa ao estilo da implementada pelo Fed mesmo que quisesse, levando-se em consideração a ausência de um governo único que o sustente; e a Grã-Bretanha. Acho que a Austrália escapou. Ainda assim: essencialmente todo o mundo desenvolvido, que corresponde a 70% do PIB mundial a preços de mercado, está preso numa armadilha de liquidez.

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