quinta-feira, 18 de março de 2010

SOBRE A NOVA LEI DE GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS (LEI N° 11284/2006) NO ESTADO DO PARÁ: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL OU DESMATAMENTO INSTITUCIONALIZADO

Marcio Ivan Lopes Ponte de Souza


(Sociólogo, Professor e Cientista Político /


e-mail: marciol_ponte@yahoo.com.br)


RESUMO: O presente ensaio pretende colocar em pauta a questão da nova lei 11284/2006, aprovada em março de 2006, que regulamenta a gestão de florestas públicas no território nacional, em especial a Amazônia e, especificamente, o estado do Pará, onde se desenvolverão os quatro primeiros projetos de manejo sustentável já publicados no DOU. Nesse sentido, procurou-se elencar propostas de estratégias metodológicas voltadas à mensuração do impacto da lei diante da problematização levantada no título supracitado.

No início do ano passado o governo federal enviou ao Congresso Nacional a Lei 11.284/2006. Aprovada, substituiu o artigo 19 do Código Florestal pelo artigo 83 da nova Lei de Gestão de Florestas Públicas (como é conhecida a Lei 11.284/2006), que versa sobre as normas de manejo florestal, carecendo hoje apenas de regulamentação para vigorar. Segundo Tarso Rezende de Azevedo, diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro (órgão autônomo do Ministério do Meio Ambiente, recém criado em março de 2006) e diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, o governo tinha “(...) três opções: privatizar de fato, entregando as terras à iniciativa privada; criar uma espécie de florestobrás, com administração direta pública; ou gerir a floresta pública em parceria com a sociedade. Escolhemos trabalhar com a sociedade”. Tal iniciativa do Estado brasileiro nos remete a seguinte questão: Amazônia está sendo privatizada no atual governo? Ou a região já vem passando por um processo de privatização há décadas? O que é a nova Lei de Gestão de Florestas Públicas?

As perguntas que norteiam as primeiras questões levantadas no presente ensaio apontam para a relevância do tema, pois já foram publicados no Diário Oficial da União quatro contratos que envolvem planos de manejo florestal sustentáveis dentro da nova Lei a serem executados no Oeste do Pará pois, historicamente, desde a época da colônia, tanto a metrópole portuguesa como o próprio Estado brasileiro tem inserido a região amazônica econômica e politicamente sob ciclos de exploração, como o das drogas do sertão, da borracha e dos Grandes Projetos (LOUREIRO, 1992, p. 11-15). Para Bertha Becker “Os surtos voltados para produtos extrativos de exportação, as estratégias de controle de território e os modelos de ocupação marcaram toda formação territorial da Amazônia, estando presente até os dias atuais” (BECKER, 2006. p 25) ­- portanto é lícita a problematização da nova Lei de Gestão de Florestas Públicas como mais um momento de expansão da fronteira (segundo a autora, esse conceito corresponde ao “(...) espaço não plenamente estruturado e, por isso mesmo, potencialmente gerador de realidades novas”). O geógrafo Milton Santos chama a atenção para peculiaridades da inserção espacial (incluindo-se aí a floresta amazônica) dos países do terceiro mundo: “Os espaços dos países subdesenvolvidos caracterizam-se primeiramente pelo fato de se organizarem e se reorganizarem em função de interesses distantes e mais frequentemente em escala mundial”. No que tange a Lei 11.284/2006, a primeira audiência pública que discutiu sua regulamentação, ocorrida no dia 18 de outubro de 2006, tratou do processo de negociação do governo federal com os setores produtivo e empresarial, onde o governo estimou um giro financeiro de 450 a 750 milhões de reais e uma produção de 4,7 a 7,5 milhões de metros cúbicos de toras - e isso apenas numa primeira fase. Como os quatro projetos iniciais desenvolver-se-ão no Oeste paraense e diante das perspectivas de Becker e Santos, este ensaio justifica-se pela enorme relevância do tema e pelo pioneirismo da implementação de uma nova institucionalização federal na região amazônica a partir do Pará. Agora, se essa nova institucionalidade objetiva de fato “um processo social com equidade intra e intergerações, expresso por eficiência econômica que tenha as especificidades naturais e culturais da região como aliadas e, por isso, seja sustentável, moderno.” (ASSIS, 2006, p. 145), é a pergunta central levantada por nós: será que a nova Lei de Gestão de Florestas Públicas e o recém-criado Serviço Nacional de Florestas representam um novo ambiente institucional politicamente sustentável ou reconfiguram, sob nova aparência, tradicionais modelos econômicos e de ações governarnentais voltados à exploração predatória da floresta amazônica? Será que a Lei 11.284/2006 corresponde ao desenvolvimento sustentável indispensável à manutenção do ecossistema amazônico ou apenas realiza mais uma etapa de uma modernização conservadora pautada no desenvolvimento econômico com exclusão social? A nova Lei atende as demandas da Amazônia ou aos interesses extrativistas e deslocados da complexidade da realidade amazônica? Tais indagações só poderão ser respondidas a partir da construção de uma ampla pesquisa e uma profunda discussão com amplos setores representativos da sociedade em geral e não apenas com o setor empresarial, para assim podermos objetivar a reflexão sobre o novo momento de inserção da região amazônica na economia global sob a nova Lei de Gestão de Florestas Públicas e seus impactos na natureza e sociedade local, para se examinar os pressupostos e objetivos fundamentais da Lei 11.284/2006 e sua relação com o suposto processo de privatização da floresta amazônica, mensurando os limites de sua implementação e as eventuais conseqüências materiais e sociais para região. Nesse contexto, poderia se comparar os principais referenciais teóricos do desenvolvimento sustentável com o modelo adotado no projeto do governo e sua sintonia com as demandas amazônicas para, aí sim, propor, a partir de um debate político mais amplo com os setores governamentais, privados e não-governamentais modelos alternativos de inclusão política, econômica e social da Amazônia na globalização sob um modelo sustentável e inclusivo.

Não obstante, nosso papel nesse breve comentário nos permite apenas apresentar ao leitor uma provável hipótese de trabalho que pode ser o fio condutor para uma compreensão mais profunda do que possa ser a Lei 11.284/2006. Assim, o professor Daniel Chaves de Brito, ao discutir o processo de modernização da sociedade brasileira a partir de 1930, revela que as tendências de reforma institucional e sustentabilidade na Amazônia inserem-se num cenário onde “O conjunto de propostas em torno das reformas, visando a eficiência do aparelho estatal, está envolto num clima de disputa ideológica que coloca frente a frente critérios de ajustes estatais e de mercado.” (BRITO, 1999, p.298). A nova Lei 11.284/2006 parece, à priori, contemplar esse hiato de busca de eficiência e interesses econômicos. Entretanto, para professora Edna Castro:

Muitos órgãos destacam-se por suas ações corretas, mas há outros marcados pela trajetória de corrupção: Governo Federal, Governo do Estado, Governo Municipal, ADA, Banco do Brasil, BASA, exército (militares), IBAMA, INCRA, ITERPA, Ministério do Meio Ambiente, Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Polícia Civil, Polícia Federal (...), pois a visão imediatista e garimpeira dos recursos naturais parece ser própria da maior parte dos agentes produtivos da região amazônica (CASTRO, 2005, p.35).

Esse ponto de vista reforça a problematização da Lei 11.284/2006, quando o principal agente de transformação da região amazônica foi o Estado brasileiro (LIMA, 1995, p. 105 e 107), constituindo-se a nova Lei como uma ação estatal de transformação da região, provavelmente desconsiderando peculiaridades da mesma, pois “Na Amazônia, são mínimos, quando existentes as serviços de educação, saúde, comunicação, transporte.” (SIMONIAN, 2005, p. 40), colocando em xeque o papel uma possível sustentabilidade contida na Lei que pudesse preceder tais carências. Por sua vez, a Lei talvez encerre “Outro tipo de política ambiental (...) que procura acionar instituições que regulem a apropriação agregada da base material pelos capitais" (ACSELRAD, 2005, p.132). No entanto, somente um estudo aprofundado pode trazer luzes ao obscurantismo envolto na Lei de Gestão de Florestas Públicas, pois sua regulamentação não aponta, até agora, para uma superação das barreiras econômicas que desestimulam o manejo sustentável, como a que se segue:

A área necessária para a produção sustentada é realmente maior, quando se considera apenas o volume produzido. Na exploração não sustentável, extrai-se um volume muito maior por unidade de área, inclusive com mais de uma intervenção na floresta no intervalo entre ciclos de corte (...) O rendimento do manejo florestal é baixo comparativamente à exploração não sustentável e apresenta também menores atrativos financeiros e comerciais (SOUZA, 2002, p. 126 e 127).

No centro desse paradoxo, a Lei 11.28412006.

Uma possível resposta dada à problemática levantada sobre a nova Lei de Gestão de Florestas Públicas é a de que essa nova política pública visa, em tese, a redução da grilagem de terras e o desenvolvimento dos nove estados da Amazônia legal de forma sustentável e não-predatória. Na prática concede à iniciativa privada áreas de exploração de madeira, dentro do manejo sustentável (antigo artigo 19 do código florestal), previsto no artigo 83 da Lei 11.284/2006. Nossa hipótese inicial de trabalho concorre para a denúncia da oposição – apesar de considerarmos tal ação uma mobilização de viés (conceito cunhado pelos cientistas políticos Bachrac e Baratz) visando dividendos eleitorais - em relação ao projeto do governo enviado e já aprovado no congresso nacional: a nova Lei de Gestão de Florestas Públicas provavelmente reproduzirá o processo predatório da floresta amazônica e dará continuidade a um provável processo de privatização da região. E há vasta literatura que vai ao encontro da hipótese de que a Lei não atende as exigências do paradigma da biodiversidade, que por sua vez

(...) não fornece uma base adequada para o gerenciamento ambiental. É, fundamentalmente, um conceito reducionista e preservacionista. (...) A prova é que apesar de mais de duas décadas de intenso debate sobre o desmatamento tropical, muito pouco têm sido conseguido para alterar de forma significativa a taxa com que florestas tropicais estão sendo convertidas em pastos e terras agrícolas (MCGRATH, 1997, p. 64 e 66).

De fato, numa visão preliminar, a região amazônica parece ser encarada na Lei como comodities, reserva de riquezas em recursos naturais a serem explorados vorazmente sob o véu de uma sustentabilidade ideológica, na medida em que essa é contraditória para com os interesses de mercado. Só nos dez primeiros anos a Lei prevê a concessão de até 13 milhões de hectares. Relatório da ambientalista Maria Tereza Jorge Pádua (disponível no site www.oeco.com.br), demonstra ameaça efetiva à 95% das florestas tropicais do mundo e que em apenas 7% dos 353 milhões de hectares dessas florestas desenvolver-se-ia um manejo sustentável. Nossa hipótese inicial ainda lança um olhar sobre um horizonte apocalíptico para região amazônica com a nova Lei, já que a reboque da exploração madeireira não se tem encontrado projetos de manejo sustentável, mas sim a pecuária, a especulação e a monocultura fundiária, sendo que:

(...) o que parece ser um fenômeno global é o avanço da pobreza, e principalmente da pobreza extrema. Com efeito, a aceleração do processo de desenvolvimento desigual e a inclusão e exclusão simultâneas das pessoas no processo de crescimento, (...) traduzem-. se na polarização, bem como na propagação da miséria entre um contingente cada vez maior de pessoas (CASTELLS, 1999, p. 106).

Poderemos considerar o argumento de Manuel Castells como um dos eixos sustentadores de nossa hipótese preliminar. Até hoje, é essa globalização que chegou na Amazônia e tende manter-se na contemporaneidade com a nova Lei de Gestão de Florestas Públicas, colocando assim a Amazônia nos trilhos do capitalismo selvagem que levou a África ao caos político, econômico e social em meados do século XX e ao colapso e exclusão nos primeiros anos do século XXI.




BIBLIOGRAFIA


BRITO, Daniel Chaves de. A modernização da superfície. Belém: UFPA/NAEA, 2001.


COSTA, Francisco de Assis. Estudos avançados, vol. 19, n. 53, p. 131-166, janeiro/abril 2005.


CASTELLS, Manuel. Fim do milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1999.


CASTRO, Edna. Novos cadernos NAEA v.8, ri.2, p. 5-39, dez. 2005.


COELHO, Maria Célia Nunes; MATHIS, Armin (Orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento local na Amazônia: uma agenda de debate. - Belém: UFPAINAEA, 2005.


LIMA, Luis Flávio Maia. Cenários da industrialização na Amazônia. Organizado por Tereza Ximenes. - Belém: Associação de Universidades Amazônicas, Universidade Federal do Pará. Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, 1995.


LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Estudos e problemas amazônicos: historia social e econômica e temas especiais - Belém, Cejup, 1992.


McGRATH, David G. Perspectivas do desenvolvimento sustentável (uma contribuição para Amazônia 21) - Belém: Universidade Federal do Pará. Altos Estudos Amazônicos; Associação de Universidades Amazônicas, 1997.


SANTOS, Milton. O Espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. - Rio de Janeiro: F. Alves, 1979.


SOUZA, André Luiz Lopes. Desenvolvimento sustentável, manejo florestal e o uso dos recursos madeireiros na Amazônia: desafios, possibilidades e limites. Belém: UFPA/NAEA, 2002.








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